sábado, 10 de julho de 2010

A Arte de Ser Feliz


Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Ás vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

(Cecília Meireles)

Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro em 7 de janeiro de 1901 e faleceu no dia 9 de novembro de 1964, em pleno apogeu de sua atividade literária. Recebeu, post mortem, o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra. De fina espiritualidade, sua poesia, sem deixar de ser moderna, mergulha raízes nas essências do simbolismo, caracterizando-se, no plano formal, pela riqueza de recursos estilísticos. Obras principais: Viagem (1938); Vaga Música (1942); Mar Absoluto (1945); Romanceiro da Inconfidência (1953); Solombra (1964).

Ps.: O citado Lope de Vega, (Félix Lope de Vega, também citado como Félix Lope de Vega Carpio ou Lope Félix de Vega Carpio) foi um dramaturgo, autor de peças teatrais e poeta espanhol (25/11/1562 – 27/08/1635)

sábado, 12 de junho de 2010

O Paradoxo do Nosso Tempo


O paradoxo de nosso tempo na história é que...

Temos edifícios mais altos, mas pavios mais curtos.
Auto-estradas mais largas, mas pontos de vista mais estreitos.
Gastamos mais, mas temos menos.
Nós compramos mais, mas desfrutamos menos.
Temos casas maiores e famílias menores.
Mais conveniências, mas menos tempo.
Temos mais graus acadêmicos, mas menos senso.
Mais conhecimento e menos poder de julgamento.
Mais proficiência, porém mais problemas.
Mais medicina, mas menos saúde.
Bebemos demais, fumamos demais,
Gastamos de forma perdulária,
Rimos de menos,
Dirigimos rápido demais,
Nos irritamos muito facilmente,
Ficamos acordados até tarde,
Acordamos cansados demais,
Raramente paramos para ler um livro,
Ficamos tempo demais diante da TV e raramente oramos.

Multiplicamos nossas posses, mas reduzimos nossos valores.
Falamos demais, amamos raramente e odiamos com muita freqüência.
Aprendemos como ganhar a vida, mas não vivemos essa vida.
Conquistamos o espaço exterior, mas não nosso espaço interior.
Fizemos coisas maiores, mas não coisas melhores.
Limpamos o ar, mas poluímos a alma.
Dividimos o átomo, mas não nossos preconceitos.
Escrevemos mais e aprendemos menos.
Planejamos mais e realizamos menos.
Aprendemos a correr, mas não a esperar.
Construímos cada vez mais computadores, para armazenar mais informações e produzir mais cópias, mas nos comunicamos cada vez menos.

Estes são os tempos do "fast food" e da digestão lenta.
De homens grandes, com personalidades mesquinhas.
De lucros enormes e relacionamentos pequenos.
Estes são os dias de dois empregos e mais divórcios.
Casas mais bonita e lares desfeitos.

Estes são os dias de viagens rápidas,
Fraldas descartáveis,
Moralidade abandonada,
Encontros por uma noite,
Obesidade disseminada e pílulas para tudo, da alegria à calma e até à morte.
É um tempo onde há muito nas vitrines e pouco na dispensa.
Um tempo onde a tecnologia permite que você leia isto e escolha o que fazer: Dividir este sentimento ou apenas clicar em “Delete”.

Lembre-se de passar mais tempo com as pessoas que ama,  segurar as mãos e enaltecer os momentos, pois elas não estarão por aqui para sempre.
Lembre-se de dizer uma palavra gentil a alguém que te admira com fascinação, pois essa pequena pessoa logo irá crescer e abandonar sua companhia.
Lembre-se de dar um abraço carinhoso a quem está do seu lado, pois esse é o único tesouro que você pode dar com seu coração, e não custa um centavo sequer.

Lembre-se de dizer "eu te amo" a sua companheira(o) e às pessoas que ama, mas em primeiro lugar, ame. Um beijo e um abraço curam a dor quando vêm de lá de dentro.
Conceda-se tempo para amar, conceda-se tempo para falar, conceda-se tempo para compartilhar os seus preciosos momentos.

E lembre-se sempre: A vida não é medida pelo número de respirações que você dá, mas pelos momentos em que tiram o seu fôlego.

Este texto foi escrito pelo Dr. Bob Moorehead, ex-pastor de uma igreja de Seattle. O título original deste ensaio é "The Paradox of Our Age" e apareceu em Words Aptly Spoken, que é uma coleção, datada de 1995, de orações, homilias e monólogos que ele fez em rádios. (Link do original em inglês http://www.trans4mind.com/counterpoint/moorehead.shtml). Alguns atribuem equivocadamente a autoria ao ator e comediante George Carlin.

domingo, 9 de maio de 2010

O tempo...

"Dizem que o tempo apaga tudo. Tempo não apaga, apenas adormece."
(Rachel de Queiroz)

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Soneto LXVI - No te quiero sino porque te quiero

No te quiero sino porque te quiero
y de quererte a no quererte llego
y de esperarte cuando no te espero
pasa mi corazón del frío al fuego.

Te quiero sólo porque a ti te quiero,
te odio sin fin, y odiándote te ruego,
y la medida de mi amor viajero
es no verte y amarte como un ciego.

Tal vez consumirá la luz de enero,
su rayo cruel, mi corazón entero,
robándome la llave del sosiego.

En esta historia sólo yo me muero
y moriré de amor porque te quiero,
porque te quiero, amor, a sangre y fuego.

(Pablo Neruda - LXVI – Cien Sonetos de Amor)

Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.

Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,
como um cego.

Talvez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,

Nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,
a sangue e fogo.

(Pablo Neruda - LXVI – Cem Sonetos de Amor)

domingo, 18 de abril de 2010

Se eu gosto de poesia?



Se eu gosto de poesia?

Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor.
Acho que a poesia está contida nisso tudo.

(Carlos Drummond de Andrade)

domingo, 28 de março de 2010

Quintaneando

Foto by Dulce Helfer

Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Há! Mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a eternidade.

(Mario Quintana)

domingo, 14 de fevereiro de 2010

A Morte Devagar

Morre lentamente quem não troca de idéias, não troca de discurso, evita as próprias contradições. Morre lentamente quem vira escravo do hábito, repetindo todos os dias o mesmo trajeto e as mesmas compras no supermercado. Quem não troca de marca, não arrisca vestir uma cor nova, não dá papo para quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru e seu parceiro diário. Muitos não podem comprar um livro ou uma entrada de cinema, mas muitos podem, e ainda assim alienam-se diante de um tubo de imagens que traz informação e entretenimento, mas que não deveria, mesmo com apenas quatorze polegadas, ocupar tanto espaço em uma vida.

Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o preto no branco e os pingos nos is a um turbilhão de emoções indomáveis, justamente as que resgatam brilho nos olhos, sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.

Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não acha graça de si mesmo. Morre lentamente quem destrói seu amor-próprio. Pode ser depressão, que é doença séria e requer ajuda profissional. Então fenece a cada dia quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem não trabalha e quem não estuda, e na maioria das vezes isso não é opção e, sim, destino: então um governo omisso pode matar lentamente uma boa parcela da população.

Morre lentamente quem passa os dias se queixando da má sorte ou da chuva incessante, desistindo de um projeto antes de iniciá-lo, não perguntando sobre um assunto que desconhece e não respondendo quando lhe indagam o que sabe. Morre muita gente lentamente, e esta é a morte mais ingrata e traiçoeira, pois quando ela se aproxima de verdade, aí já estamos muito destreinados para percorrer o pouco tempo restante. Já que não podemos evitar um final repentino, que ao menos evitemos a morte em suaves prestações, lembrando sempre que estar vivo exige um esforço bem maior do que simplesmente respirar.

(Martha Medeiros)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Perder Sem Se Perder



“Foram-se os amores que tive ou me tiveram: partiram num cortejo silencioso e iluminado. O tempo me ensinou a não acreditar demais na morte nem desistir da vida: cultivo alegrias num jardim onde estamos eu, os sonhos idos, os velhos amores e seus segredos. E a esperança — que rebrilha como pedrinhas de cor entre as raízes.”

(Secreta Mirada, 1997)

Minha amante Esperança. Em plena juventude ela tentou se matar. Despertando no hospital deparou com uma enfermeira que a interpelou: — Mas por quê, por quê? Ela respondeu, sucinta, lúcida, plena de sua própria dor: — Sem esperança. Todos conhecemos esses dias sem horizonte à vista. A experiência nos ensina que eles passam, a não ser que estejamos doentes ou sejamos ferrenhos pessimistas por natureza ou formação. Ser mais ou menos otimista depende de criação, ambiente familiar, disposição genética (ah, a genética da alma...), situações do momento. Claro que ter confiança quando se está contente é fácil. Mas não somos só nossa circunstância, somos também nossa essência.

O grande pessimista colhe todas as notícias ruins do jornal e manda aos amigos cada manhã; acha que o ser humano não presta mesmo, o mundo é mero palco de guerras e corrupção. O excessivamente otimista acha que a realidade é a das tele-novelas e dos sonhos adolescentes, das modas, das revistas, da praia, do clube. O sensato (não o sem graça, não o chato) sabe que o ser humano não é grande coisa, mas gosta dele; que a vida é luta, mas quer vivê-la bem; que existem — além de injustiça, traição e sofrimento — beleza e afetos e momentos de esplendor. Que se pode confiar sem ser a toda hora traído por quem se ama. Posso ser um pessimista essencial, por natureza ou formação ou circunstâncias. Posso porém estar apenas deprimido. Para sair de uma fase depressiva há mil recursos à disposição de qualquer pessoa. Terapia, uma bela caminhada, um novo amor, pintar o cabelo, jantar num lugar delicioso, mudar de lugar os vasos do jardim, ver o que acontece nas artes. Ler, refletir, observar o dentro e o fora. Comprar um cachorro, ir ao futebol, planejar uma viagem (pode ser só até ali). Tentar aproximar-se da arte, qualquer que ela seja. Renovar interesses e afetos, cultivá-los. Mas se eu curto a minha depressão ou minha visão negra de tudo, se com isso pretendo chamar a atenção dos outros ou puni-los (ou a mim mesmo), posso optar pelo eterno descontentamento. Aos poucos ficarei segregado do círculo dos que são os vitais amantes da esperança.

Mesmo depois que os anos devastaram muita coisa (talvez a família, o trabalho, o meu corpo, meus amores), o que foi bom pode permanecer — não sombra ou vazio, mas motivo de voltar a florescer. Arrastar a cadeira para fora da zona de sombra e sentar-me um pouco ao sol. Passado o primeiro horror de alguma perda grave, na treva da impotência e inconformidade, começam a abrir-se frestas por onde a antiga claridade se derrama no agora. Essa mesa nessa sala, esse filho e aquele amigo, esse som no piano, o ramo de árvore que a gente pretendia cortar, a calçada onde caminhava há muitos anos — tudo nos convoca: não mais para chorar o passado, mas para projetar no presente aquilo que tendo sido belo não se perdeu. E a gente vai tomando consciência de que deve também aos amores que teve, aos amigos que quase esqueceu, à casa vendida junto com parte da infância, à pessoa que se foi em todos esses anos, poder viver melhor outra vez. Com outra pessoa ou sozinha, em outra casa, com outros amigos, com novos objetos ou entre os antigos. Das coisas belas que acabaram nos vêm sempre uma luz e uma capacidade de ver o mais banal com algum encantamento. Essa é a secreta mirada que todos podem exercer mas que se turva pela pressa, pelo excesso de deveres e a exigência de sermos o que não podemos ser. Para viver qualquer fase com alegria, viver com elegância e vitalidade, é preciso acreditar que vale a pena.

(...)

O mundo em si não tem sentido sem o nosso olhar que lhe atribui identidade, sem o nosso pensamento que lhe confere alguma ordem. Viver, como talvez morrer, é recriar-se a cada momento. Arte e artifício, exercício e invenção no espelho posto à nossa frente ao nascermos. Algumas visões serão miragens: ilhas de algas flutuantes que nos farão afundar. Outras pendem em galhos altos demais para a nossa tímida esperança. Outras ainda rebrilham, mas a gente não percebe — ou não acredita. A vida não está aí apenas para ser suportada ou vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada. Não é preciso realizar nada de espetacular. Mas que o mínimo seja o máximo que a gente conseguiu fazer consigo mesmo.

(Lya Luft – Trechos do livro “Perdas e Ganhos”)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Esperança


Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...


Texto extraído do livro "Nova Antologia Poética" de Mário Quintana, Editora Globo - São Paulo, 1998, pág. 118.

domingo, 22 de novembro de 2009

A Rosa e o Colibri


Aquela rosa era ainda um pequeno botão quando começou a notar o colibri que todos os dias voava pelo jardim em busca de alimento. Ela ficava maravilhada com a emergia daquele bichinho, com a magia do seu vôo e com suas paradas no ar. Para ela, ele era um ser sobrenatural, um semi-deus, uma fonte de beleza e alegria. Os momentos em que ele voava pelo jardim eram para ela os mais felizes do dia; ficava triste quando ele ia embora, restando-lhe apenas o consolo que ele voltaria no dia seguinte.
O tempo não para e aquele botãozinho foi desabrochando, tornando-se uma rosa adolescente cheia de vida e cor. Com a adolescência chegou também o amor; a pequena rosa apaixonou-se perdidamente pelo colibri. Aquele sapeca que era tão volúvel e que fazia charme para todas as outras flores do jardim. Ele era mesmo um exibido... não parava um instante sequer. Rodopiava entre as flores sem descanso, beijava-as de leve, quase sem tocá-las e, num segundo, já estava longe, não dando tempo nem para que elas o vissem direito.
A rosinha ficava lá no seu cantinho, entre as folhas, a espiá-lo extasiada. Seu coraçãozinho batia descompassado quando começava a ouvir o pipilar ou o som estranho do seu bater de asas. O colobri nem notava sua presença. Não percebia seu tremor, sua emoção. Passava por ela sem vê-la, tão pequenina, com pouca intensidade de cor, continuava seu vôo louco pelo jardim; ela não desanimava, sabia que amanhã ele voltaria e que o veria novamente.
Certa manhã a rosinha percebeu algo diferente. O jardim estava mais perfumado, o sol brilhava mais para ela e até as outras flores pareciam olhá-la de forma diferente. Ela mesma sentia algo diferente... não sabia bem o que era... se sentia mais feliz, mais segura, maior... Parecia que as folhas da roseira haviam se afastado, aberto um caminho para ela passar. De repente, seu coração deu um salto. Viu o colibri lá longe, vindo em direção ao seu jardim. Estava mais emocionada do que nos outros dias... suas pétalas tremiam tanto que as gotas de orvalho que nelas tinham se acumulado durante a noite iam caindo, uma a uma, como uma chuva.
Ao chegar, o irriquieto colibri não a viu de imediato, mas sentiu o doce e diferente perfume que havia no ar. Aquele perfume começou a embriagá-lo e ele, ainda mais agitado, começou a procurar de onde vinha. Foi quando deparou com a mais linda visão que já tivera em sua vida: num canto do jardim estava, entre uma cortina de folhas, a mais bela rosa. Ela era linda! Suas pétalas eram viçosas, acetinadas, de um vermelho tão vivo que pareciam de veludo salpicado de pó de estrelas brilhantes!
O colibri ficou parado no ar, quase sem respirar, com medo de que a visão desaparecesse. Aquele perfume suave, doce e inebriante vinha dela; ele não conseguia sair do lugar, estava hipnotizado por tanta beleza, por tanta luz. Aquela rosa sorria para ele e dela vinham cálidas ondas de amor que o atingiram no coração.
O passarinho foi chegando pertinho, pertinho da rosa que também estava maravilhada. Nunca o tinha visto não perto... sua penugem era azul e prateada, brilhava muito refletindo o sol que os aquecia; seus olhos pretos a fitavam e transmitiam muita emoção. Entre os dois formou-se um elo de amor infinito, sem palavras, sem trovas, sem suspiros... não havia nada a ser dito, tudo devia apenas ser sentido, e eles sentiram o quanto se amavam. Perderam-se no tempo, olhos marejados, mergulhados um no outro.
Naquele momento o colibri esqueceu-se de que aquilo não devia acontecer. Não lembrou que poderia sofrer muito. Não lembrou de tudo que aprendera: não deveria se apaixonar por uma flor, pois estas tinham uma vida muito breve e eram muito frágeis. Uma tesoura ou um vento forte poderiam levá-la para longe.
Depois daquela manhã a vida do colibri se tornou um carrossel... a noite ficava infeliz temendo que ela não estivesse lá no dia seguinte; acordava antes do sol nascer e ficava esperando clarear um pouco para que pudesse voar para junto de sua amada. Ficava o dia inteiro naquele jardim. Amavam-se loucamente... sabiam que fatalmente seriam separados; trocavam beijos apaixonados... a rosa lhe dava seu néctar, seu perfume e sua melhor cor. Eram muito felizes e seriam muito felizes enquanto pudessem... seriam infinitamente felizes.
Certa manhã quando chegou ao jardim, o colibri encontrou sua rosa no chão. Estava um pouco murcha, com algumas pétalas rasgadas, mas continuava linda, perfumada, ainda o amava e muito. Ele a pegou delicadamente com o bico; suas lágrimas caiam suavemente sobre as pétalas e com isso elas ficavam frescas e úmidas novamente e então ela começou a lhe falar.
Pediu-lhe que não se desesperasse, que não se impressionasse com tudo o que aprendera sobre as flores. Ela não morreria; apenas passaria para outro estágio. Em suas entranhas estavam suas semente, sua alma, seu espírito e estes nunca deixariam de amá-lo. Ele só teria que levá-la para uma terra fofa e deixá-la descansar por algum tempo. Depois tudo seria bom novamente.
O colibri não acreditou nela, mas para não fazê-la sofrer, concordava com tudo o que ela dizia. Levou-a para o canto mais lindo do jardim e ficou junto dela, até que secou completamente e só então se foi. Já era noite, ele se sentia vazio e triste... era como se uma parte sua tivesse ido embora com a rosa.
O passarinho passou meses em sua casa numa árvore. Não tinha ânimo para nada... deixou até de voar pelos jardins. Um dia resolveu ir até o jardim de sua rosa, para recordar, pensar nela, senti-la ainda mais próxima; voou de cabeça baixa, olhos distantes e quando chegou ao jardim, algo aconteceu:
Sentiu o perfume inesquecível de sua rosa. Voou como uma flecha até o local em que a havia deixado. De longe já vinha procurando aquele vermelho lindo, porém só conseguia ver as folhas de uma roseira nova; sua rosa não estava lá, mas ele sentia deu perfume, tinha certeza! Então a esperança voltou ao seu coraçãozinho... talvez sua rosa tivesse razão. Ele começou a reviver, dar vôos malucos pelo jardim e a voltar, todos os dias àquela roseira.
Na primavera seguinte começou a brotar da roseira um botãozinho feio, descolorido, escondido entre as folhas... e a história se repetiu...
Primeiro a rosinha o viu.... depois o colibri a viu... então compreendeu que ela tinha razão. A cada primavera eles se amam muito, se abastecem de carinho, de esperança, de energia e marcam um reencontro, pois o verdadeiro amor não morre nunca; revive a cada reencontro, a cada lembrança, a cada momento de saudade, afinal, o amor e a vida são eternos... infinitos...
Conto de Dorinha Sant’Anna