domingo, 22 de novembro de 2009

A Rosa e o Colibri


Aquela rosa era ainda um pequeno botão quando começou a notar o colibri que todos os dias voava pelo jardim em busca de alimento. Ela ficava maravilhada com a emergia daquele bichinho, com a magia do seu vôo e com suas paradas no ar. Para ela, ele era um ser sobrenatural, um semi-deus, uma fonte de beleza e alegria. Os momentos em que ele voava pelo jardim eram para ela os mais felizes do dia; ficava triste quando ele ia embora, restando-lhe apenas o consolo que ele voltaria no dia seguinte.
O tempo não para e aquele botãozinho foi desabrochando, tornando-se uma rosa adolescente cheia de vida e cor. Com a adolescência chegou também o amor; a pequena rosa apaixonou-se perdidamente pelo colibri. Aquele sapeca que era tão volúvel e que fazia charme para todas as outras flores do jardim. Ele era mesmo um exibido... não parava um instante sequer. Rodopiava entre as flores sem descanso, beijava-as de leve, quase sem tocá-las e, num segundo, já estava longe, não dando tempo nem para que elas o vissem direito.
A rosinha ficava lá no seu cantinho, entre as folhas, a espiá-lo extasiada. Seu coraçãozinho batia descompassado quando começava a ouvir o pipilar ou o som estranho do seu bater de asas. O colobri nem notava sua presença. Não percebia seu tremor, sua emoção. Passava por ela sem vê-la, tão pequenina, com pouca intensidade de cor, continuava seu vôo louco pelo jardim; ela não desanimava, sabia que amanhã ele voltaria e que o veria novamente.
Certa manhã a rosinha percebeu algo diferente. O jardim estava mais perfumado, o sol brilhava mais para ela e até as outras flores pareciam olhá-la de forma diferente. Ela mesma sentia algo diferente... não sabia bem o que era... se sentia mais feliz, mais segura, maior... Parecia que as folhas da roseira haviam se afastado, aberto um caminho para ela passar. De repente, seu coração deu um salto. Viu o colibri lá longe, vindo em direção ao seu jardim. Estava mais emocionada do que nos outros dias... suas pétalas tremiam tanto que as gotas de orvalho que nelas tinham se acumulado durante a noite iam caindo, uma a uma, como uma chuva.
Ao chegar, o irriquieto colibri não a viu de imediato, mas sentiu o doce e diferente perfume que havia no ar. Aquele perfume começou a embriagá-lo e ele, ainda mais agitado, começou a procurar de onde vinha. Foi quando deparou com a mais linda visão que já tivera em sua vida: num canto do jardim estava, entre uma cortina de folhas, a mais bela rosa. Ela era linda! Suas pétalas eram viçosas, acetinadas, de um vermelho tão vivo que pareciam de veludo salpicado de pó de estrelas brilhantes!
O colibri ficou parado no ar, quase sem respirar, com medo de que a visão desaparecesse. Aquele perfume suave, doce e inebriante vinha dela; ele não conseguia sair do lugar, estava hipnotizado por tanta beleza, por tanta luz. Aquela rosa sorria para ele e dela vinham cálidas ondas de amor que o atingiram no coração.
O passarinho foi chegando pertinho, pertinho da rosa que também estava maravilhada. Nunca o tinha visto não perto... sua penugem era azul e prateada, brilhava muito refletindo o sol que os aquecia; seus olhos pretos a fitavam e transmitiam muita emoção. Entre os dois formou-se um elo de amor infinito, sem palavras, sem trovas, sem suspiros... não havia nada a ser dito, tudo devia apenas ser sentido, e eles sentiram o quanto se amavam. Perderam-se no tempo, olhos marejados, mergulhados um no outro.
Naquele momento o colibri esqueceu-se de que aquilo não devia acontecer. Não lembrou que poderia sofrer muito. Não lembrou de tudo que aprendera: não deveria se apaixonar por uma flor, pois estas tinham uma vida muito breve e eram muito frágeis. Uma tesoura ou um vento forte poderiam levá-la para longe.
Depois daquela manhã a vida do colibri se tornou um carrossel... a noite ficava infeliz temendo que ela não estivesse lá no dia seguinte; acordava antes do sol nascer e ficava esperando clarear um pouco para que pudesse voar para junto de sua amada. Ficava o dia inteiro naquele jardim. Amavam-se loucamente... sabiam que fatalmente seriam separados; trocavam beijos apaixonados... a rosa lhe dava seu néctar, seu perfume e sua melhor cor. Eram muito felizes e seriam muito felizes enquanto pudessem... seriam infinitamente felizes.
Certa manhã quando chegou ao jardim, o colibri encontrou sua rosa no chão. Estava um pouco murcha, com algumas pétalas rasgadas, mas continuava linda, perfumada, ainda o amava e muito. Ele a pegou delicadamente com o bico; suas lágrimas caiam suavemente sobre as pétalas e com isso elas ficavam frescas e úmidas novamente e então ela começou a lhe falar.
Pediu-lhe que não se desesperasse, que não se impressionasse com tudo o que aprendera sobre as flores. Ela não morreria; apenas passaria para outro estágio. Em suas entranhas estavam suas semente, sua alma, seu espírito e estes nunca deixariam de amá-lo. Ele só teria que levá-la para uma terra fofa e deixá-la descansar por algum tempo. Depois tudo seria bom novamente.
O colibri não acreditou nela, mas para não fazê-la sofrer, concordava com tudo o que ela dizia. Levou-a para o canto mais lindo do jardim e ficou junto dela, até que secou completamente e só então se foi. Já era noite, ele se sentia vazio e triste... era como se uma parte sua tivesse ido embora com a rosa.
O passarinho passou meses em sua casa numa árvore. Não tinha ânimo para nada... deixou até de voar pelos jardins. Um dia resolveu ir até o jardim de sua rosa, para recordar, pensar nela, senti-la ainda mais próxima; voou de cabeça baixa, olhos distantes e quando chegou ao jardim, algo aconteceu:
Sentiu o perfume inesquecível de sua rosa. Voou como uma flecha até o local em que a havia deixado. De longe já vinha procurando aquele vermelho lindo, porém só conseguia ver as folhas de uma roseira nova; sua rosa não estava lá, mas ele sentia deu perfume, tinha certeza! Então a esperança voltou ao seu coraçãozinho... talvez sua rosa tivesse razão. Ele começou a reviver, dar vôos malucos pelo jardim e a voltar, todos os dias àquela roseira.
Na primavera seguinte começou a brotar da roseira um botãozinho feio, descolorido, escondido entre as folhas... e a história se repetiu...
Primeiro a rosinha o viu.... depois o colibri a viu... então compreendeu que ela tinha razão. A cada primavera eles se amam muito, se abastecem de carinho, de esperança, de energia e marcam um reencontro, pois o verdadeiro amor não morre nunca; revive a cada reencontro, a cada lembrança, a cada momento de saudade, afinal, o amor e a vida são eternos... infinitos...
Conto de Dorinha Sant’Anna

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